quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Quebra-cabeça

Parte I


- Eu? Eu tenho 16 anos, falo 20, porque uso drogas senão me levam pro juizado de menores. Eu tava em Minas, ai falaram que aqui em São Paulo tinha emprego para mim, então eu subi no caminhão e vim. Chegando aqui me levaram pra um lugar, uma casa de puteiro, então eu fiquei com vários homens, até o dia que resolvi fugir de lá.
Ascende a luz, olha para mim com uma cara de ‘vamos lá’, mas não era em mim:
- Vou te dar uma injeção para dor.
Começa a gritar pra caramba, eu tava com uma puta dor de cabeça, afinal, eu tinha quebrado um pára-brisa com a cabeça:
- Ei, Fernanda, fica quieta, bicho, num vai doer porra nenhuma. Já fizeram coisas piores para você na sua vida, que doeram mais. Isso daí é para você ficar de boa. Tipo essa tatoo, não doeu?
Ela fedia demais, de um fedor insuportável que só de lembrar eu franzo a cara de lembrar. Ela vestia uma saia vermelha, que mal caberia em meus 63 kg e, ela vestia, sendo que a o anti-braço dela, deveria ser a minha coxa. Uma blusinha que se perdia a tantas dobras fedorentas. Um cabelo quiçaça descolorido de louro, uns pés sujos, nojentos que empesteavam e me embrulhavam o estomago cada vez que ela arrumava a coberta.
- Eu usei lança-perfume e por isso tenho problema de coração, não senti nada. Ah, meu nome não é Fernanda de verdade, esse é meu nome falso. Caroline é o de verdade, mas ta bom, assim pelo menos eu arranjo um emprego. Do que você trabalha?
Pensei bem, talvez ela não entendesse, respondi só, internet. E ai ficou um silencio que as minhas entranhas necessitavam, pelo menos, por alguns segundos.
- Onde você estava com o carro não tinha manobrista?
- Não.
Deu-me um frio insuportável, eu já havia pedido uma coberta, que recebi como resposta “Querida, isso aqui é um hospital público, acha mesmo que está num hotel? Cobertores são raros aqui!”, coloquei uma blusa que minha mãe trouxe, fazendo malabarismos para não arrancar o soro da veia.
- Que blusa linda a sua.
- Valeu, to com frio.
- E sua mãe é aquela loura, né? Ela tem olhos verdes.
- Sim.
- E aquele moço? Seu namorado?
- Não, meu irmão.
- Poatz, quero mijar.
De repente, comecei a prestar atenção, meio enfurecida:
- Fernanda, levanta e vai mijar no banheiro, você nem fudendo vai mijar ai, vai logo.
- Mas meu joelho dói.
- O caralho que dói. Não quebrou nada, vi os médicos falando, você já ta de alta. Vai logo.
Ela como pensou bem e não quis me contrariar, levantou candangamente aquela bunda fedorenta e foi mancando, devagar. Embrulhava-me o estômago.
Veio novamente o enfermeiro.
- Eu quero alta, já to bem. Chama um médico para mim? Tô com fome, ta um fedor insuportável aqui.
Sorrindo, disse que eu ia ficar mais um dia lá. Acho que para me zoar.
- Michelli?
Respondi que era eu. E ele olhando para aquela massa fétida que era a outra ‘moça’. Ela enchia-se o ego.
- Não sou eu, é ela.
- Michelli, você vai ter que tomar isso aqui.
Começam-se os gritos novamente... Achei até que a minha cabeça iria explodir. O outro bebum lá fora, insistia que queria água.
- Você, cala a boca e pára de reclamar, porque vai tomar isso de canudinho pela veia, não vai doer. E você, ai fora, cala a boca também, não vai beber água porra nenhuma.
- Eu tou liberado.
- Só se for pro céu, fica de boa.
O enfermeiro olha com cara feia para mim. Foda-se. Um silêncio, outro.
A história é a seguinte, enquanto eu não queria estar lá nem fudendo. A tal Fernanda Caroline, havia sido jogada de um viaduto, pois o amigo não queria dividir o craque com ela. Não sentia dor algumas, suas dores eram internas. Precisava de um lugar para dormir e comer. O outro, bêbado, caiu de moto, foi atropelado, algo assim. Não tinha ninguém, não tinha nada, só tinha muita teimosia, infernal de gritar.